PARECER Nº 001/97
COMPETÊNCIA DO FONOAUDIÓLOGO NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO E TERAPIA COM A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA
A surdez é uma condição de privação sensorial que mesmo sendo detectada precocemente por especialistas, acarreta uma restrição no desenvolvimento da criança, tanto no que se refere aos aspectos afetivos (com a mãe) e sociais (informações do meio em que vive), como também em seus aspectos linguísticos (falta ou demora na aquisição de uma língua), levando a prejuízos nos processos de integração social, comunicação e no próprio desenvolvimento de linguagem. O atraso de linguagem por sua vez, pode levar a dificuldades em determinadas áreas da cognição, de aprendizagem e nas suas relações sociais e emocionais.
Os diferentes graus de perdas auditivas (leve, moderada, severa e profunda), são necessariamente fatores determinantes em relação às consequências no desenvolvimento da criança e exigirão uma atuação fonoaudiológica própria, de acordo com a especificidade do caso.
O papel do fonoaudiólogo em relação à criança deficiente auditiva abrange tanto a àrea da saúde como a área educacional. Segundo o Código de Ética da profissão é de competência do fonoaudiólogo “cuidar do indivíduo no que se refere à área da comunicação oral e escrita, voz e audição, prevenindo, habilitando, reabilitando e aperfeiçoando os padrões de fala e voz”. Além disso, de acordo com o parecer número 001/95 de 24 de março de 1996, da Comissão Especial de Audiologia, também é de sua competência a função de “reabilitação do surdo, a seleção e indicação de prótese auditiva”.
Considerando-se que em consequência da falta de audição a criança deficiente auditiva apresenta alterações ao nível da linguagem, fala e voz que são em si sistemas integrados, pode-se facilmente verificar que as funções do fonoaudiólogo encontram identificação em todas as suas necessidades.
Os princípios objetivos da terapia da criança surda visam o desenvolvimento da língua oral (englobando fala e voz) e a aquisição da linguagem, levando-se em conta o fato da surdez ter surgido no período pré ou pós linguístico. Sabendo-se disto, serão definidos mais especificamente os objetivos da terapia com a pessoa portadora de deficiência auditiva.
Dentre as alterações encontradas, verificam-se:
A) VOZ
Alteração das qualidades vocais pela ausência de feed-back auditivo.
B) FALA
Alteração miofuncional dos órgãos fono-articulatórios, ocasionada pelo pouco ou nenhum uso destes para a fala, prejudicando desta forma a produção adequada dos fonemas da língua oral.
C) LINGUAGEM
Atraso dos processos linguísticos e/ou cognitivos devido a falta ou demora na exposição e aquisição de uma Língua.
Considerando os fatos acima relacionados, destacam-se agora alguns pré-requisitos necessários ou desejáveis para a atuação do fonoaudiólogo envolvido na Audiologia Educacional de deficiente auditivo.
1) Conhecimento das áreas específicas de atuação do fonoaudiólogo no campo da Audiologia Educacional e o que esta terapêutica envolve enquanto nível de conhecimento:
a) AUDIÇÃO
– Anátomo-fisiologia da audição.
– Etiologia, graus e diagnósticos audiológicos específicas
– Desenvolvimento da percepção auditiva.
– Adaptação, manuseio e manutenção de aparelhos de amplificação sonora individual e de grupo.
– Atualização sobre os diferentes recursos existentes e disponíveis.
B) LINGUAGEM
– Noção dos conceitos científicos de Língua e Linguagem.
– Conhecimento das teorias de aquisição de linguagem.
– Noções das funções comunicativa e cognitiva da linguagem.
– Consequências da surdez na aquisição e produção da Língua e no desenvolvimento da linguagem.
C) FALA
– Aspectos miofuncionais dos órgãos fono-articulatórios.
– Processos de aquisição fonêmica e fonológica no homem.
D) VOZ
– Processos de produção oral e das qualidades vocais no homem.
2) Conhecimento sobre as diferentes correntes filosóficas de educação de surdos e das metodologias de oralização, para que enquanto fonoaudiólogo, possa esclarecer e orientar adequadamente às famílias no que concerne aos aspectos terapêuticos e educacionais de seus filhos, como também aos agentes interdisciplinares envolvidos com esta criança.
DESCRIÇÃO DAS PRINCIPAIS METODOLOGIAS E FILOSOFIAS EDUCACIONAIS DISPONÍVEIS PARA A EDUCAÇÃO DE DEFICIENTES AUDITIVOS
As terapias fonoaudiológicas variam de acordo com o enfoque e prioridade que estabelecem; com a criança envolvida; a Instituição Educacional em que esta está inserida e a filosofia educacional com a qual trabalha. As principais filosofias utilizadas mundialmente são, a saber: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo.
Não caberá neste levante e posteriormente na formulação de um parecer específico, a ampla discussão sobre a melhor metodologia ou filosofia educacional para ser aplicada ou utilizada na educação auditiva do surdo, porque entende esta comissão que a escolha profissional de cada fonoaudiólogo é pessoal. Cabe, portanto, somente apresentar de forma sucinta e explanadora as principais filosofias.
ORALISMO – O fonoaudiólogo procura suprir a dificuldade sensorial do surdo buscando aproximá-lo o mais possível da realidade do ouvinte. Não estimula nenhum tipo de linguagem gestual. Procura o desenvolvimento da emissão oral e pode trabalhar numa abordagem multissensorial utilizando estímulos sonoros, táteis, cinestésicos e visuais ou numa abordagem unissensorial, com uma metodologia que procura utilizar apenas pistas auditivas como via de acesso.
COMUNICAÇÃO TOTAL – Tem uma outra visão do sujeito surdo e procura respeitar sua diferença sensorial. Faz uso da Língua de Sinais e trabalha com a idéia de facilitar a comunicação utilizando para isso as estratégias e recursos que forem necessários. Desenvolve a leitura labial, o treino articulatório e auditivo com ênfase na protetização precoce, a leitura e a escrita. Faz uso do bimodalismo, podendo utilizar de “pidgin” (uso simultâneo da Língua de Sinais e a modalidade oral da Língua), de “cued speech”, Português sinalizado e do alfabeto manual nas terapias, respeitando a opção das crianças.
BILINGUÍSMO – Baseia-se na idéia de que a Língua de Sinais é mais espontânea para o surdo e portanto mais facilmente adquirida. Como qualquer outra Língua tem a função de estruturação do pensamento e da linguagem, por possuir os mesmos níveis “fonológicos”, morfo-sintáticos, semânticos e pragmáticos comuns a constituição das Línguas naturais orais, como já provado por linguístas.
Nesta proposta, defende-se que a estimulação da Língua Oral (realizada por fonoaudiólogos), ocorra paralelamente à aquisição da Língua de Sinais que deve se dar através do convívio com sujeitos surdos que a dominem. Desta forma procura-se preservar a estrutura gramatical das duas línguas e permitir ao surdo estar inserido tanto na comunidade surda como ouvinte. Como nas demais filosofias cabe ao fonoaudiólogo utilizar uma metodologia de oralização e desenvolver os aspectos de estimulação auditiva, articulação leitura oro-facial, linguagem, etc. As metodologias de oralização podem ser divididas didaticamente em duas classificações distintas: Unissensorial e Multissensorial, representadas pelos seguintes teóricos e pesquisadores:
a) UNISSENSORIAL
– Método Audio-Fonatório, desenvolvido por Guy Perdoncini (França, 1958).
– Método Acupédico, desenvolvido por Pollack (USA, 1964).
B) MULTISSENSORIAL
– Método Aural, desenvolvido por Sanders (USA, 1971).
– Método Verbotonal, proposto por Guberina (Iugoslávia, 1954).
– Método Borel-Maisonny, desenvolvido por Borel-Maisonny (França, 1970).
– Método Materno-Reflexivo, proposto por Van Uden (Holanda, 1960).
SUGESTÕES SOBRE O QUE DEVE CONSTAR EM QUALQUER PROGRAMAÇÃO TERAPÊUTICA QUE ENVOLVA DEFICIENTES AUDITIVOS INDEPENDENTE DA METODOLOGIA OU FILOSOFIA EDUCACIONAL ADOTADA PELO PROFISSIONAL FONOAUDIÓLOGO
Na terapêutica com a pessoa portadora de deficiência auditiva que objetiva a aquisição e o desenvolvimento da linguagem, devem constar os seguintes aspectos:
a) Anamnese específica, na qual sejam abordados os aspectos evolutivos da criança desde o momento gestacional, procurando-se levantar seu histórico clínico;
b) Análise da avaliação audiológica;
c) Exames fonoaudiológicos específicos que avaliem a funcionalidade dos órgãos fono-articulatórios; da respiração; da produção fonológica/fonêmica; da deglutição; da comunicação oral e escrita e ainda exame evolutivo motor;
d) Avaliação de Linguagem;
e) Avaliação dos processos cognitivos;
f) Planejamento Terapêutico que envolva os seguintes aspectos fundamentais:
EDUCAÇÃO AUDITIVA: Detecção, discriminação, memória e análise e síntese auditiva dos diferentes sons, com utilização do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI) e de grupo.
ARTICULAÇÃO: Desenvolver atividades que objetivem a percepção fonêmica/fonológica da Língua Oral através de estímulos auditivos, visuais, táteis, cinestésicos e o desenvolvimento da leitura oro-facial, de acordo com a metodologia.
VOZ: Proporcionar um melhor controle e produção oral através da adequação do registro vocal, timbre, intensidade e duração da vocalização.
LINGUAGEM: A estimulação da fala e da linguagem deve ser vivenciada em situações contextualizadas, interessantes para o surdo e nas quais seja privilegiada a função e o uso da Língua Oral. Para o ensino da Língua Oral, pode ser utilizada qualquer metodologia, além das já citadas acima, a critério do fonoaudiólogo.
A ATUAÇÃO DO FONOAUDIÓLOGO EM RELAÇÃO ESCOLA DO INDIVÍDUO SURDO
Com relação à escola, é esperado que se estabeleça uma relação interdisciplinar de troca e cooperação. Uma opção metodológica de educação e/ou reabilitação traz imbuída uma concepção de Sujeito e de linguagem que deve ser levada em conta. Parece claro portanto, que para alcançar os objetivos desejados, o fonoaudiólogo, a família e a escola devem sempre que possível estar caminhando integrados e no mesmo sentido.
Este parecer foi elaborado tendo por base as recomendações da COMISSÃO ESPECIAL DE AUDIOLOGIA – GRUPO DE TRABALHO SOBRE A COMPETÊNCIA DO FONOAUDIÓLOGO EM AUDIOLOGIA EDUCACIONAL do CRFa-1a. Região. Desta forma voto por sua adoção, ressalvadas as devidas adaptações.
MARIA CRISTINA SILVA SIMONEK
Conselheira Relatora
(Aprovado na 56a. Sessão Plenária Ordinária, realizada em 31 de janeiro de 1997)