Fonoaudiólogos são chamados para hospitais de campanha no Rio





Quatro profissionais contam sua experiência na linha de frente da Covid-19

A Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro (RioSaúde) começou a convocar, em maio, fonoaudiólogos para o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla e o Hospital de Campanha, no Riocentro, unidades dedicadas da rede municipal da Prefeitura do Rio de Janeiro para tratamento da Covid-19. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, onze profissionais já foram contratados e há ainda 17 vagas a serem preenchidas, conforme cronograma, e serão chamados os candidatos que se inscreveram no processo seletivo dentro do prazo estabelecido, em abril de 2020, para plantão de 24 horas semanais.

No Ofício Nº G-107/2020, endereçado ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella, o CREFONO1 esclareceu que o Fonoaudiólogo é o profissional habilitado para avaliar a biomecânica da deglutição; orientar melhor estratégia quanto à via de alimentação; avaliar a possibilidade de alimentação por via oral e verificar medidas de precaução de broncoaspiração. “O fonoaudiólogo, em sua rotina de atendimento hospitalar, avalia e acompanha pacientes que detém histórico de disfagia prévia. Diante da pandemia que vivemos, o fonoaudiólogo pode auxiliar no cuidado dos pacientes hospitalizados, sejam com suspeita ou confirmados de Covid-19”, diz o documento.

Rafael Cardoso: “A gente entra na fase de gerenciamento do risco para paciente disfágico e, principalmente, naqueles pós extubação”

O fonoaudiólogo Rafael Cardoso (CRFa 1-11150) é um dos profissionais chamados para atuar no Hospital de Campanha do Riocentro. Sua expectativa é de contribuir junto à população, que nesse momento passa por uma calamidade pública sanitária gravíssima. “Desde que a pandemia se iniciou, eu já venho atuando na linha de frente em unidades de internação e UTIs, na rede privada (eu coordeno serviço no Rio de Janeiro) e a gente entra na fase de gerenciamento do risco para paciente disfágico e, principalmente, naqueles pós extubação”, conta Rafael Cardoso.

Segundo ele, há características novas que podem ser observadas nos pacientes com a infecção pelo novo coronavírus. “A grande maioria dos pacientes Covid-19 ficam um tempo muito maior intubados, sob ventilação mecânica. Temos percebido nesses pacientes, após a extubação, déficit sensório motor intraoral, comprometimento de musculatura faríngea, alteração de mobilidade em toda a estrutura oral, como lábios e língua, falta de coordenação respiratória e de fonoarticulação. Porque, além da inapetência provocada pela perda do olfato e do paladar, tem o tempo prolongado da intubação, trazendo mais perda de apetite ainda quando sai do tubo”, exemplificou.

Rafael Cardoso disse que são várias complicações e a Fonoaudiologia pode e deve atuar firme para devolver qualidade de vida no momento pós extubação. “Temos protocolos de atuação para liberação da dieta oral em adultos e idosos após a retirada da ventilação mecânica, mas vem sendo difícil seguir esse tipo de critério por causa das especificidades de cada caso do paciente com Covid-19. Cada vez que conseguimos liberar a dieta oral de forma plena é motivo de grande felicidade. É a Fonoaudiologia exercendo seu papel diante dessa pandemia e que a gente possa, também nos hospitais de campanha, promover nosso trabalho e dar a melhor assistência a essas pessoas, somando com a equipe multi e interdisciplinar. Esperança, força e muito trabalho pela frente”, afirmou.

Aline Braga: Estudos científicos para demonstrar, na Europa, a diferença na qualidade do atendimento quando se pode contar com um fonoaudiólogo na linha de frente

A fonoaudióloga Aline Braga (CRFa 1-11403) é colega de Rafael na unidade. Ela vive há quase 20 anos na Europa e, como lá fonoaudiólogos e fisioterapeutas não foram chamados a atuar na linha de frente do combate ao novo coronavírus, Aline Braga voltou ao Brasil e se inscreveu no cadastramento do Ministério da Saúde “Ação Estratégica – O Brasil Conta Comigo – Profissionais da Saúde”. Através do cadastramento, foi chamada a atuar no Hospital de Campanha do Riocentro.

“Voltar ao meu país e estar atuando frente à Covid-19, nossa, é indescritível a sensação. Isso jamais aconteceria neste momento, em 2020, em nenhum país da Europa. Moro na Espanha, onde não falta dinheiro para investir em saúde e em formação, mas é muito deficitário na reabilitação. Pertenço a uma equipe de Pneumologia, mas fazendo pesquisa, no principal hospital da Espanha, o Hospital Universitário Ramón y Cajal. Meus colegas pneumologistas estão na linha de frente de combate ao novo coronavírus, enquanto fonoaudiólogos e fisioterapeutas, não. Vai ser uma experiência fantástica para eu levar pra lá e poder mostrar o que foi feito aqui. Sinto muito orgulho, uma experiência profissional incrível, que não teria mesmo trabalhando em países de primeiro mundo, como Espanha e Alemanha”, afirmou Aline.

 A expectativa da fonoaudióloga é “fazer o que a Fonoaudiologia sempre fez”: ajudar toda a equipe multiprofissional na estabilidade do paciente e na redução do tempo de internação. “Fazer com que o paciente possa evoluir sem intercorrências, que ele não piore o quadro respiratório ou clínico por uma desnutrição, uma desidratação, por aspirar secreção. Aqui podemos falar de igual para igual na equipe, cada um na sua especialidade. O fonoaudiólogo tem papel crucial na reabilitação e na alta desses pacientes”, ressaltou Aline. Ela pretende fazer publicações científicas para mostrar ao mundo a importância da reabilitação e, a partir da comparação com condutas médicas diante da Covid-19 na Europa, demonstrar a diferença na qualidade do atendimento quando se pode contar com um fonoaudiólogo na linha de frente.

O risco de contágio é grande, os profissionais atuam com uma série de restrições e, para Aline Braga, isso representa a oportunidade de se reinventar e de crescer enquanto profissional. “O novo coronavírus está ensinando em todos os sentidos, todas as pessoas. Estamos tendo que buscar outros caminhos e de repente vão sair coisas muito bacanas da Fonoaudiologia. Vamos sair com uma experiência clínica impensável anteriormente, ainda mais num hospital de campanha”, salientou.

Aline Braga reforça que o fonoaudiólogo é o profissional habilitado a auxiliar, ainda, na situação da comunicação em pacientes com muita flutuação cognitiva, com delírio por causa do longo tempo de internação e intubação. “As condutas vão mudando muito rápido, porque são pacientes instáveis. Tem o aspecto da comunicação, além do gerenciamento da deglutição, a garantia de segurança na alimentação e ajudar no controle hemodinâmico e no suporte pulmonar. Espero que a Europa possa estar se inspirando e aprendendo com o Brasil”, reforçou.

Reinvenção

Thiago Tavares, à direita, ao lado do médico e do farmacêutico na coordenação das ações do Hospital Municipal de Laje do Muriaé frente ao novo coronavírus

Quem precisou se reinventar para atuar frente à Covid-19 e assumir um papel de coordenação num município do interior do estado foi Thiago Gomes Tavares (CRFa 1-13830). Há 10 anos atuando na Fonoaudiologia e atualmente trabalhando na Estratégia Saúde da Família de Laje do Muriaé, município da Região Noroeste do Rio de Janeiro, com cerca de 8 mil habitantes, Thiago teve a atuação clínica suspensa em função das medidas de prevenção para diminuir a incidência de contágio pelo novo coronavírus, mas, como Aline Braga, não se conformou em ficar de braços cruzados.

“Respiração é área de atuação do fonoaudiólogo. Nariz, garganta, tem tudo a ver com a Fonoaudiologia. Meu município vivendo um surto e eu parado? Não! O prefeito pediu para eu assumir a coordenação junto a um médico e um farmacêutico bioquímico e estou aqui, no Hospital Municipal de Laje do Muriaé, monitorando 54 casos suspeitos que fizeram o exame, mas que aguardam o resultado e me desdobrando para dar conta das muitas solicitações da equipe multidisciplinar”, contou Thiago Tavares.

Ele comemora não haver registro de mortes na cidade pela Covid-19, até o momento desta entrevista (realizada no final de maio). “Agora estamos montando uma tenda de triagem, com enfermeiros e técnicos de enfermagem e demais profissionais. A estrutura começa a melhorar com o avanço da doença, mas estamos desde março na linha de frente, fazendo o nosso melhor. Quem sou eu? Sou só um fonoaudiólogo ajudando a população do município onde trabalho, que está sofrendo uma pandemia”, resumiu.

Flávia Fialho: “Você aprende sempre. É uma vivência que te enobrece”

Flávia Fialho Fernandes (CRFa 1-12724) também atua há mais de 10 anos na profissão, só que na área de Fonoaudiologia Hospitalar. Trabalha em três unidades hospitalares, nas zonas norte e oeste do Rio. “Quando começaram a chegar os casos de Covid-19, eu achei que sabia o que era a doença. Mas logo vi que não sabia. Os pacientes com Covid são muito diferentes daqueles que estamos acostumados a lidar nos outros CTIs. Noventa por cento deles tem incoordenação respiratória. Os problemas de deglutição vão além de uma disfunção. Na extubação, estão mais comprometidos, o que requer mais cuidados. A Fonoaudiologia é fundamental, tanto no processo de reabilitação dos pacientes extubados, quanto no desmame e na decanulação daqueles que ficaram pouco tempo intubados, normalmente mais jovens”, relatou.

Além dos sintomas respiratórios em função da quantidade de sedação e da periculosidade do novo vírus, a Covid-19 vem afetando os pacientes neurologicamente, desencadeando, segundo Flávia Fialho, AVCs, ataxia (incoordenação dos movimentos), hipogeusia (diminuição do paladar), hiposmia (baixa sensibilidade do olfato), neuralgia, rebaixamento do nível de consciência, disartria (distúrbio da articulação da fala) e afasia (distúrbio de linguagem).

Para ela, a experiência que está vivendo na linha de frente da Covid-19 é de transformação profissional e pessoal. “Só o fato de você trabalhar num ambiente sabidamente contaminado, exige atenção o tempo todo. E você aprende sempre, com o sofrimento do paciente, com as condutas que precisa usar. É uma vivência que te enobrece. Me deu uma nova visão da vida. Não sairei a mesma pessoa disso tudo”, assinalou Flávia Fialho.

Pesquisa

O CREFONO1 realizou pesquisa para mapear e acompanhar a atuação fonoaudiológica diante da pandemia de Covid-19, provocada pelo vírus Sar-CoV-2. Mais de 400 profissionais responderam o formulário, sendo que 67,3% estão atuando na linha de frente. Desses, 51,6% estão em UTIs.

 

 

Por Rose Maria S. Alves, Assessoria de Imprensa

Em 1º de junho de 2020.

Atualizado em 09 de junho de 2020.

Fotos: Cedidas pelos fonoaudiólogos Rafael Cardoso, Aline Braga, Thiago Gomes e Flávia Fialho

 

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